16/04/2021
CASO HENRY: VIOLNCIA CONTRA A CRIANA NO DISTINGUE CLASSE SOCIAL
A morte do garoto Henry, de quatro anos, cuja necropsia constatou 23 leses, pelas quais so acusados o padrasto e a prpria me do garoto, trgica e dolorosa advertncia a autoridades, especialistas e sociedade sobre o quanto as estatsticas sobre agresses fsicas, psicolgicas e sexuais contra crianas em nosso pas podem estar defasadas.
Enquanto a grande maioria de estudos sobre violncia infantil tm seu foco, por razes plausveis, nos setores sociais mais vulnerveis, casos dantescos, como o ‘martrio’ de Henry, evidenciam que melhor nvel de renda e de escolaridade da famlia nem sempre significa proteo e segurana para a criana.
Embora o caso de Henry ainda esteja sob investigao, as evidncias at aqui levantadas so de que a criana foi, sim, vtima de seguidas agresses fsicas que a levaram morte. Barbarismo perpetrado por algum que, alm de lder poltico com sucessivos mandatos, tem, por cruel ironia, diploma de mdico, ainda que nunca tenha exercido a profisso.
Outro caso trgico, e com igual teor de crueldade, ainda est na memria coletiva: o menino Bernardo Boldrini, de onze anos, foi assassinado em 2014 com uma injeo letal aplicada pela madrasta. Segundo a polcia e o Ministrio Pblico, com a cumplicidade do pai da criana, at ento um mdico respeitado na cidade gacha de Frederico Westphalen.
Correlacionados aqui pelo contedo equivalente de barbrie que encerram, os dois casos nada tm, obviamente, de referencial estatstico. Porm, reforam, da forma mais desumana e repulsiva, que a posio social da famlia no significa, por si mesma, garantia de proteo integridade fsica e mental e prpria vida da criana.
Embora ningum questione que as crianas que vivem em condies de pobreza esto muito mais expostas a diferentes formas de violncia, casos como os que vitimaram Henry e Bernardo advertem para o fato de que as polticas pblicas de proteo infncia devem ampliar o foco e refinar o acervo de conhecimento que permite identificar sinais de agresso contra a criana. E no s nos sistemas pblicos de educao, sade e segurana, mas tambm nas redes particulares de creches, escolas e clnicas.
preciso reconhecer que o Brasil registrou avanos significativos na defesa da infncia e da adolescncia, com a adoo de aes consistentes preconizadas pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), que completou trinta anos em 2020.
Contudo, o poder pblico ainda falha, tanto na proteo infantil quanto na reduo de danos decorrentes de toda forma de agresso contra crianas e adolescentes, como explorao, violncia, crueldade e opresso.
Pelo menos 4.971 crianas e adolescentes foram mortos de forma violenta em 2019, segundo o 14 Anurio Brasileiro de Segurana Pblica, que apresentou dados de apenas 21 estados. Em 2018, o canal de denncias do Ministrio da Mulher, da Famlia e dos Direitos Humanos registrou inissveis 152.178 diferentes tipos de violaes contra crianas e adolescentes.
So nmeros que conferem contornos de verdadeira tragdia humana e social continuada, qual est exposta boa parte das crianas brasileiras.
E o mais triste saber que, com impressionante frequncia, os responsveis por violncias fsicas ou psicolgicas, por abusos sexuais e por toda sorte de violaes contra essas crianas so membros da prpria famlia, no seio da qual elas deveriam se sentir protegidas e amparadas.
Assim, a crueldade inominvel de que foi vtima o garotinho Henry, para alm de desnudar a que grau de degradao e perversidade o ser humano (?) pode chegar, nos adverte de que agresses e violaes contra crianas no se sujeitam a classes sociais ou nvel de cultura e renda.
*Iran Coelho das Neves Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.
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